sexta-feira, 3 de julho de 2015

ÁTILLA ,O REI DOS HUNOS


Reza a lenda que a erva não voltava a crescer por onde passava o cavalo de Átila, o terrível chefe huno que só respeitava a vida de quem se juntava ao seu exército.
Não se conhece com exatidão a data em que Átila se tornou rei dos hunos, e exerceu o poder durante, pelo menos, 20 anos sobre um vastíssimo território que se estendia da Europa central ao mar Negro. 

Tudo terminou com a sua estranha morte, em 453. O terror que espalhou pela Europa, onde era conhecido por “o flagelo de Deus”, foi de tal ordem que o seu nome é ainda hoje associado à crueldade mais sanguinária. 
Os primeiros anos de vida do líder permanecem na sombra, embora não haja grandes dúvidas de que era membro de uma família nobre dos hunos. Esse povo nómade de origem asiática, com ligações às tribos mongóis, magiares, citas e sármatas, há muito que ameaçava as fronteiras da China, mas tornou-se conhecido no Ocidente pelas terríveis incursões que lançou das estepes da Ásia central sobre o Império romano, nomeadamente sobre a parte oriental. 

É, precisamente, através de um dos enviados de Roma, o historiador Prisco, que visitou a corte dos hunos em 448, que podemos ter uma certa ideia de como era o seu chefe supremo. Graças a fragmentos da sua obra hoje quase totalmente perdidos mas reunidos, no século VI, pelo ostrogodo Jordanes, sabemos que Átila era baixo e robusto, de cabeça grande, olhos pequenos e cinzentos, barba rala, nariz chato e pele amarelada, de gostos simples e humilde. Tratava-se, seguramente, de um homem de grande cultura para a época, pois pensa-se que falava fluentemente grego e latim e que até sabia escrever esse idioma. Na corte, viviam as ­suas várias mulheres, um anão e um bobo da Cítia.
Já antes de subir ao poder, os romanos do Oriente pagavam ao rei huno um tributo anual de mais de 115 quilos de ouro. Átila, que sucedeu no trono ao seu tio Rua (ou Rugila), partilhou inicialmente o poder com o irmão, Bleda. Depois de acusarem o Império de não cumprir alguns tratados que garantiam, teoricamente, a paz entre hunos e romanos, os nómadas atravessaram o Danúbio e arrasaram as cidades ao longo da margem. Pouco tempo depois, atacaram a região da Ilíria e saquearam toda a área entre o mar Negro e o Mediterrâneo. A devastação apenas poupava os povos conquistados, que eram forçados a servir no exército invasor. O próprio Teodósio II foi derrotado pelos hunos, os quais, todavia, não conseguiram tomar Constantinopla, porque as suas forças, sobretudo compostas por cavalaria ligeira equipada com arcos, não possuíam conhecimentos para fabricar armas de assédio adequadas para abrir brechas nas muralhas de uma grande cidade. Mesmo assim, o imperador teve de ceder uma parte do território a sul do Danúbio, pagar 2000 quilos de ouro a título de indemnização por não ter respeitado os termos do pacto e um tributo anual de outros 687 quilos do precioso metal.

Senhor absoluto


Por volta de 445, Bleda morreu, possivelmente assassinado por Átila. Seja como for, esse acontecimento assegurou-lhe o poder absoluto e, em 447, já como único rei dos hunos, entrou nos Balcãs e chegou às Termópilas. Três anos depois, Honória, a irmã do imperador do Ocidente, Valentiniano III, a quem haviam prometido a um senador contra a sua vontade, enviou a Átila um pedido de ajuda juntamente com um anel. Este interpretou a mensagem como sendo uma proposta de matrimónio, pelo que aceitou e pediu como dote metade do Império Ocidental. Quando Valentiniano descobriu, negou a legitimidade da suposta proposta, mas Átila enviou uma delegação à capital, Ravena, para anunciar que ele próprio iria reclamar o que era seu.
Assim, estimulado pelos anteriores êxitos militares, Átila invadiu a Gália em 451. Perto da atual cidade francesa de Troyes, os exércitos aliados do general romano Flávio Aécio e do rei visigodo Teodorico I enfrentaram-no e derrotaram-no na batalha dos Campos Cataláunicos, que foi descrita com um dos confrontos mais terríveis da Antiguidade. A derrota não intimidou o chefe, que, passado um ano, se dirigiu para a Península Itálica, a qual saqueou sem piedade. Átila tinha preparado uma nova incursão para o ano seguinte mas, dessa vez, não pôde repetir as suas façanhas. A acreditar em Prisco, morreu em consequência de uma intensa hemorragia nasal e do consumo exagerado de álcool, ingerido durante os festejos da sua recente boda com uma germânica chamada Ildico.
Quando descobriram o corpo, os seus guerreiros prestaram-lhe homenagem, ferindo-se com as espadas, pois, segundo assinala Jordanes, “o maior de todos os guerreiros não podia ser chorado com lágrimas nem lamentos, mas com sangue de homens”. Enterraram-no num sarcófago triplo feito de ouro, prata e ferro, juntamente com o tesouro acumulado nas suas conquistas, num lugar até hoje ignorado, pois os que participaram no funeral foram executados, para manter em segredo a localização da sepultura.


Às portas de Roma
Após a derrota na batalha dos Campos Cataláunicos, Átila soube recompor-se e, em apenas um ano, mobilizou outro exército com o qual se dirigiu para a Península Itálica, a fim de exigir a união com Honória. Ali, arrasou numerosas cidades, incluindo Aquileia, Milão e Pádua, e fez mesmo o imperador fugir da capital, Ravena, devido ao que parecia ser um avanço imparável até Roma. Finalmente, deteve as suas hordas junto do rio Pó, onde se encontrou com uma delegação romana da qual fazia parte o papa Leão I. Reza a tradição que foi a mediação papal que convenceu Átila a retirar-se, impressionado com a forte personalidade do líder religioso. No Chronicon pictum, escrito em meados do século XIV, indica-se mesmo que as negociações foram conduzidas a cavalo, ao estilo asiático, e que Átila recusou prosseguir o seu avanço pois tinha tido uma visão em que surgia um homem suspenso no ar que o ameaçava com uma espada. O certo é que se desconhece o que motivou a decisão do rei dos hunos. Alguns alegam que uma série de epidemias e a falta de alimentos teriam debilitado o seu exército. Outros, que as forças romanas enviadas da outra margem do Danúbio o teriam forçado a regressar. Prisco narra que temia sofrer o mesmo destino do rei visigodo Alarico, o qual morreu pouco depois de saquear a cidade, em 410. Seja como for, após o encontro, iniciou a retirada sem reclamar Honória ou os territórios que cobiçava. Apesar de tudo, a invasão teve efeitos surpreendentes: alguns dos povos conquistados, como os venetos do nordeste de Itália, refugiaram-se nas ilhas e lagos na costa adriática, o que viria a dar origem ao estado de Veneza.

O rei sabe quem ele mantém ao seu redor. Culto, fala latim e grego. Ele prova ser um debatedor habilidoso e conduz seus homens com mão de ferro e luvas de pelica. Bem longe daquilo a que o termo “bárbaro” remete. Tendo escrito um século após a morte do rei dos hunos, o historiador Jordanes oferece uma imagem ambígua do monarca: “Átila amava a guerra, mas era capaz de controlar sua própria violência”. Sem negar seu gosto pela conquista e pelas pilhagens, ele lembra que Átila era também um animal político que se servia, muitas vezes, de meios sutis.

Governar consiste, em primeiro lugar, em saber se cercar. Para receber os melhores conselhos, Átila reuniu ao seu redor uma corte tão numerosa quanto original. Ela era composta por hunos nobres, como o seu braço-direito Onegésio ou um certo Berik, que possuía um vasto comando territorial, mas também por chefes dos povos germânicos, seus aliados, aos quais Átila atribuía extensas responsabilidades. Entre eles, o ostrogodo Teodomiro, pai daquele que viria a se tornar o rei Teodorico, o Grande, conquistador da Itália.

Átila deixava o comando de seus exércitos nas mãos dos bárbaros, mas incumbia os romanos das tarefas administrativas. Assim, dois de seus secretários sucessivos tinham o mesmo nome, Constâncio – o primeiro era gaulês, o segundo, italiano. Sob sua influência, a corte empregou um pequeno corpo de intérpretes. Quanto à chancelaria real, esta foi confiada a Orestes, um aristocrata da província romana da Panônia. Após a morte de Átila, Orestes retornou ao território romano, recebendo importantes funções militares até assumir o controle do Império, em 475.

MESTRE DAS ARMAS PSICOLÓGICAS Se Átila parecia ter talento para detectar personalidades notáveis, seu círculo heterogêneo não deixava de ser um produto do acaso. Seu bobo da corte, Zercon, era um mouro, anão e poliglota, que pertencera a um general romano até ser “tomado” pelos exércitos hunos. Os prisioneiros de guerra que demonstravam talentos especiais se beneficiavam de um tratamento diferenciado. O prisioneiro romano Rusticius escapou da escravidão por ser capaz de escrever cartas diplomáticas.
Átila chegou a acampar diante das enormes muralhas  de Constantinopla e  planejava outra campanha contra a capital bizantina quando a morte o surpreendeu, no início de 453
Átila governava sua corte com um misto de doçura e violência. Aqueles que ele queria bajular ganhavam presentes, elogios, tinham lugares preferenciais à mesa e recebiam até mesmo a promessa de ricos casamentos. Eventualmente, alguns de seus auxiliares eram encarregados de partir em delegações a Constantinopla. Eles podiam estar certos de uma grande recepção e de voltarem carregados de presentes. Por outro lado, Átila era implacável com traidores. Assim, mandara crucificar seu primeiro-secretário, suspeito de desviar um lote de cálices preciosos. Incutir o terror era útil ao rei: enquanto Bizâncio tentava subornar sua corte na tentativa de assassiná-lo, o complô acaba sendo denunciado por seu conselheiro Edika tamanho o seu medo da retaliação, caso o plano desse errado.

No que concerne às legações estrangeiras, Átila mostrava-se um interlocutor hábil. Os embaixadores recebiam uma enxurrada de insultos ou de adulações; no decorrer da discussão, o rei os ameaçava da pior das mortes, antes de assegurá-los de que, a seus olhos, eles eram sagrados. Desconcertados, os diplomatas se viam em uma posição frágil para conduzir as negociações. Átila se aproveitava também de qualquer oportunidade para usar suas armas psicológicas. Seus visitantes retornavam cobertos de presentes suntuosos mas, ao longo do caminho de volta, eram obrigados a assistir ao suplício de homens culpados de traição.

Em matéria de política externa, era um oportunista. Suas relações com o Império Romano do Oriente tinham um único objetivo: conseguir o máximo de riqueza. Na maior parte das vezes, ele se contentava em recolher tributos: para isso, multiplicava as missões diplomáticas, ameaçava seus interlocutores, exigia que as disposições dos tratados anteriores fossem respeitadas... E se porventura o pagamento dos impostos fosse interrompido, ele não hesitava em recorrer à guerra. Violenta e breve, esta não terminava com uma conquista, mas com um acordo financeiro mais favorável do que o anterior.

Resta saber se a diplomacia de Átila era realmente eficaz. Ele parece ter subestimado os recursos que o império podia recolher. Na verdade, os tributos pagos não arruinavam Constantinopla, tampouco prejudicavam seu potencial militar. As repetidas exigências dos hunos e suas múltiplas depredações acabaram exasperando, porém, a opinião pública bizantina. Átila terminou contribuindo assim para que adeptos de métodos mais duros chegassem ao poder. Em 450, Marciano subiu ao trono, fazendo da eliminação dos hunos a primeira meta de seu reinado.
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O saque de Aquileia (imagem) ocorreu em 452 e foi realizado pelos hunos sob a liderança de Átila.
Átila parecia mais confortável com os romanos ocidentais. Sem escrúpulos, ele acolhia em sua cor te personalidades contrárias às autoridades vigentes. Como Eudoxo, um líder dos camponeses gauleses que se rebelou contra a carga tributária e passou para o lado dos hunos em 448. O rei criou laços também com a princesa romana Honória, irmã do imperador Valentiniano III. Ela se ofereceu ao rei huno em casamento. Seu “esposo” reivindicou então direitos sobre o Império do Ocidente.

HÁBEIS NEGOCIAÇÕES COM BÁRBAROS Mais uma vez, a diplomacia de Átila, ainda que inventiva, mostrou certas limitações. Em 451, sua ignorância do terreno e a falta de apoio local o levaram a liderar uma campanha infeliz na Gália. No ano seguinte, na Itália, ele negligenciou os principais objetivos políticos ou militares e suas tropas saquearam o vale do Pó. Vendo suas forças minadas por uma epidemia, ele concordou em negociar com uma delegação imperial conduzida pelo papa Leão I, o Grande. Essa negociação, mal documentada, não se revelou necessariamente desfavorável a Átila, que era ameaçado pelo imperador oriental. Mas ela tampouco compensou os esforços empreendidos.

Por outro lado, Átila teve alguns sucessos notáveis nas suas relações com outros bárbaros, especialmente com os povos germânicos. Foi assim que conseguiu manter sua hegemonia nesse misto de tribos que constituíam seu império. Ele estabeleceu relações vantajosas também com reis distantes, especialmente com Genserico, rei dos vândalos, novo soberano da África do Norte, mas não conseguiu manipular os francos e os visigodos da Gália. Esses ficaram do lado romano durante a sangrenta Batalha dos Campos Cataláunicos.

O paradoxo de Átila não seria, em última análise, o de ser melhor diplomata do que conquistador? Pois, enquanto, no seu papel de chantagista, ele triunfava, inquietante e sedutor, quando tentava exibir todo o seu poder, era detido pelos acasos da guerra.

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